A BR-319 voltará a ser uma estrada pavimentada. Carros e ônibus poderão circular novamente pela rodovia que, até 25 anos atrás, ligava as cidades de Porto Velho (RO) a Manaus. A promessa já foi feita incontáveis vezes pelos governos federal, estadual ou municipal. Pode até ter rendido um bom punhado de votos em anos de eleição, mas nunca se converteu em fato.
Mais uma vez, o Palácio do Planalto empenha a sua palavra de que a repavimentação sairá definitivamente do papel. Nas palavras do general Jorge Ernesto Pinto Fraxe, presidente do Departamento de Infraestrutura de Transportes (Dnit), “a presidenta da República não tem dúvida de que essa estrada precisa ser refeita e da sua importância para o país.”
Fraxe garante que fala com conhecimento de causa. Há 40 anos, quando foi concluída a construção da BR-319, ele diz ter cruzado todo o traçado da rodovia dentro de um Fusca 1.200, quando ainda era cadete do Exército. “Era um tapete aquela estrada, asfaltadinha. Tinha desvios com pontes de madeira e algumas balsas, mas a pista era impecável”, comenta.
O Dnit já colocou o bloco na rua, com a expectativa de iniciar obras na estrada no ano que vem, no próximo verão amazônico, entre maio e novembro, período mais seco na região amazônica. As intervenções na estrada não começaram até agora porque, nos últimos 12 anos, o governo não conseguiu obter licenciamento ambiental para repavimentar um trecho de 405 km.
Desde 2007, três versões de estudos de impacto ambiental foram apresentados ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Nenhum deles, porém, conseguiu passar pelo crivo dos analistas ambientais, simplesmente porque continham problemas básicos, como falhas graves de metodologia e falta de dados sobre a fauna e a flora da região. Em 2009, o Ibama voltou a pedir complementações ao Dnit sobre os planos para a BR-319.
Em março deste ano, o Ibama finalmente concluiu que, por conta da desatualização e inadequação de uma série de informações, boa parte do processo teria que ser refeita. O Dnit acatou a decisão e, recentemente, deu ordem de serviço a uma nova consultoria ambiental.
“Contratamos uma empresa em Manaus para fazer os estudos complementares. São levantamentos finais, que devem ser concluídos em breve. Já gastamos R$ 76 milhões em componentes ambientais. Nós vamos atender o Ibama e vamos concluir a repavimentação da rodovia”, afirma Fraxe, batendo a mão na mesa.
A ideia do governo é transformar a BR-319 em uma “estrada- parque”. O traçado da rodovia teria passagens especiais para os animais que vivem na região, postos de vigilância seriam distribuídos ao longo da estrada e o Exército cumpriria a missão de vigiar as saídas da BR, em Manaus e Porto Velho.
A fiscalização reforçada, segundo o comandante do Dnit, inibiria a ação de grileiros de terras e o desmatamento ilegal. O custo da repavimentação da rodovia é estimado em cerca de R$ 800 milhões e a obra faz parte da carteira de projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
“Hoje, a BR-319 é forrada por unidades de conservação de um lado e do outro. Dá para fazer um enorme cinturão de proteção nessa estrada. Essa é a nossa ideia”, afirma Fraxe.
Para especialistas em ambiente, a repavimentação da estrada pode ter um efeito perverso sobra a floresta, porque potencializa a especulações em torno de terras para exploração ilegal de madeira e abertura de pastagens. Fraxe nega. “Dizem que, se a estrada for transitável, vai destruir a floresta. Então vamos ter que mandar cercar os rios também, porque as pessoas navegam por ali”, afirma.
Outro fator que inibiria o desmatamento, diz o presidente do Dnit, seria a baixa qualidade do solo da região para a agricultura. “A terra daquela região da Amazônia só presta para manter a floresta e o ecossistema em equilíbrio, diferentemente do solo encontrado em Rondônia ou Mato Grosso.”
Antes de qualquer interesse que envolva a necessidade de reconstrução da rodovia, o governo avalia que a regularização está diretamente associada a uma condição social. “Cerca de 500 mil pessoas vivem na região da estrada, segundo os prefeitos dos municípios que ela corta. Essas pessoas estão condenadas ao isolamento por rodovia? Isso é justo? Não são brasileiros, que têm o direito de ir e vir? Ninguém se preocupa com isso?”, questiona Fraxe.
Para o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Philip Fearnside, as intenções do governo não se esgotam com a retomada da BR-319. O Dnit, lembra ele, já guarda na gaveta planos para abrir novas estradas na região central da Amazônia, a partir rodovia Porto Velho- Manaus. “O risco que estamos correndo é de mexer profundamente com a ocupação da Amazônia, incentivando um desmatamento explosivo e descontrolado na região.”
Fonte: Valor Econômico – 27/9/2013