Sete em cada dez empresas de transporte já sofreram prejuízos com eventos climáticos extremos
Estudo da CNT lançado na COP30 demonstra como o clima afeta rotas, custos e a continuidade das operações, reforçando a necessidade de planejamento
As mudanças climáticas já representam um dos maiores desafios à operação e sustentabilidade do transporte brasileiro. É o que aponta a Sondagem CNT de Resiliência Climática do Setor de Transporte, que identificou que 70,6% das empresas sofreram perdas financeiras decorrentes de eventos climáticos nos últimos cinco anos. A Sondagem foi realizada pela CNT e lançada oficialmente na Estação do Desenvolvimento, espaço do Sistema Transporte na Zona Verde da COP30, em Belém (PA), na tarde desta sexta-feira (14).
O estudo revela que quase um quarto das empresas respondentes acumulou prejuízos iguais ou superiores a R$ 1 milhão, enquanto 9,9% superaram a marca de R$ 5 milhões, evidenciando o impacto crescente de enchentes, secas, deslizamentos, vendavais e ondas de calor sobre o setor.
Além dos danos financeiros, 74,6% das empresas sofreram impactos operacionais, como interrupções no fluxo de transporte, necessidade de alterar rotas, falta de insumos e, em casos extremos, demissões. Entre as empresas afetadas, 72,2% tiveram de interromper operações, e 9% permaneceram inativas por um mês ou mais — um cenário que compromete diretamente a sustentabilidade das operações.
A Sondagem, realizada com 317 empresários de todos os modais e regiões do país entre 18 de junho e 20 de julho deste ano, mostra que a resiliência climática no transporte depende da capacidade da infraestrutura de resistir, adaptar-se e recuperar-se diante de eventos extremos, cada vez mais frequentes. O levantamento destaca ainda que o setor é duplamente vulnerável. Enfrenta tanto a deterioração acelerada da infraestrutura quanto o aumento dos custos operacionais e logísticos necessários para manter as atividades e mitigar danos.
Durante a apresentação do estudo, a diretora executiva da CNT, Fernanda Rezende destacou que “os eventos climáticos extremos não são mais algo distante”. Ela explicou que, “quando uma rodovia é bloqueada, quando um rio deixa de ser navegável ou quando falta energia para mover um metrô ou ônibus elétrico, toda a cadeia logística e a mobilidade das pessoas ficam comprometidas. Por isso, precisamos de infraestrutura preparada, resiliente e capaz de enfrentar uma realidade climática que se torna mais desafiadora a cada ano”.
O subsecretário nacional de Sustentabilidade, do Ministério dos Transportes, Cloves Benevides, ressaltou que fortalecer a capacidade operacional diante de eventos extremos é uma etapa imediata e decisiva. “A adaptação das vias, dos modais e da operação já não é uma escolha, é uma necessidade para reduzir impactos e proteger pessoas, cargas e serviços essenciais. Essa adaptação deve levar em consideração as especificidades de cada modal e de cada região. Hoje contamos com dados consistentes para guiar essa atuação”, disse.
Os demais participantes reforçaram como os eventos extremos já desafiam a operação do transporte em diferentes frentes. O vice-presidente da Fetramaz (Federação das Empresas de Logística, Transporte e Agenciamento de Cargas da Amazônia), Daniel Bertollini, citou a seca histórica na Amazônia, a mais severa em mais de um século, que interrompeu o acesso aos portos de Manaus, paralisou por semanas o escoamento da safra e isolou comunidades ribeirinhas. O caso, disse, evidencia a urgência de soluções regionais, como dragagens permanentes e infraestrutura flutuante adaptada às oscilações dos rios.
Já o especialista-sênior da CDRI (Coalizão para Infraestrutura Resiliente a Desastres), Andres Cruz Materon, ressaltou que o transporte é um dos setores mais vulneráveis aos eventos extremos, porque qualquer interrupção gera efeitos colaterais imediatos na economia e na vida das pessoas. Para ele, adaptação e resiliência precisam ser incorporadas desde já ao planejamento, evitando que o país continue apenas reagindo aos desastres.
Diferenças entre modais
O estudo mostra que os impactos climáticos variam significativamente entre os modais e exigem estratégias específicas de adaptação. No rodoviário, que representa 84,5% das empresas ouvidas, o calor provoca trincas e deformações no asfalto, enquanto chuvas e enchentes comprometem pontes, túneis e rodovias. As enchentes no Rio Grande do Sul, em 2024, destruíram trechos inteiros da malha, e a CNT estimou mais de R$ 18,9 bilhões necessários para a recuperação.
No modal ferroviário, deslizamentos, erosões e flambagem de trilhos em períodos de calor extremo são os eventos mais recorrentes, assim como o aterramento do lastro durante chuvas intensas, aumentando o risco de descarrilamento. O transporte aquaviário também tem sido diretamente afetado: a estiagem na Amazônia reduziu drasticamente a navegabilidade dos rios e comprometeu o deslocamento de embarcações em uma região que depende de 16.200 km de vias navegáveis, mais de 80% da malha hidroviária brasileira. No aéreo, tempestades, ciclones, neblina e chuvas intensas elevam a ocorrência de descargas elétricas, turbulências e a exigência de maior espaçamento entre aeronaves, gerando atrasos e cancelamentos.
A CNT destaca ainda que os efeitos climáticos elevam substancialmente os custos operacionais. Entre as empresas que tiveram prejuízos, 63,4% registraram despesas extras com reparos e manutenção, e 47,9% sofreram perdas logísticas por atrasos, armazenamento comprometido e descumprimento de prazos. Para a maioria, a resposta emergencial veio do próprio caixa, em que 76,9% precisaram usar recursos próprios, enquanto apenas 7,7% receberam algum tipo de apoio governamental, evidenciando a urgência de políticas públicas mais robustas para crises climáticas extremas.
Fonte: Agência CNT Transporte Atual




